“Crédito para pagar despesa é bom para o banco, nunca para o produtor”, diz ex-presidente da Caixa
Daniella Marques ponta juro real elevado, aumento do endividamento público e falta de contenção de gastos como entraves ao investimento no agronegócio
“O Brasil é rico demais para dar errado. A gente ainda está no inverno, mas todo inverno passa", diz Daniella. (Foto - Fabio Manzini)
No 6º Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas (Enmcoop), em Itupeva (SP), a executiva Daniella Marques, chairwoman da Legend, ex-presidente da Caixa Econômica Federal e integrante dos conselhos da Azul e da Astra Payments, fez um diagnóstico direto sobre o ambiente macroeconômico e seus efeitos no agronegócio.
Ela, presidente da Caixa na gestão Jair Bolsonaro, resumiu sua mensagem central em uma frase: “Crédito para pagar despesa é bom para o banco, nunca para o produtor.”
Daniella afirmou que a taxa de juros no Brasil permanece elevada em razão do aumento de gastos públicos. Segundo ela, a taxa em vigor está “perto de 15%” e, ao descontar a inflação “perto de 4,50%”, o juro real fica “acima de 10%”.
Mesmo com expectativa de queda no próximo ano, o alívio será parcial. “Ainda que o ano que vem começa a reduzir, estamos falando da taxa de juros vir para 12, 12,5. Com inflação de 4,5, ainda vai nos deixar num juro real de 7, 8%.”
Para o produtor, isso exige cuidado. “O retorno de deixar o dinheiro paradinho no banco está muito alto. Para tirar o dinheiro, investir, contratar gente, você tem que avaliar muito bem.”
Gasto crescente eleva dívida e sustenta juros altos
A executiva foi enfática ao dizer que o país tem aumentado despesas em ritmo acelerado. “O Brasil hoje é um país com as suas despesas maiores que a receita.”
Ela destacou que nos últimos três anos o país aumentou mais o endividamento do que nos oito anos anteriores, mesmo incluindo a pandemia de Covid-19.
Daniella lembrou que, durante a crise sanitária, o governo do qual fez parte operou em “economia de guerra”.
“Foram gastos temporariamente 700 bilhões de reais para conter a crise da Covid”, afirmou. Após esse período, segundo ela, houve corte, mas os gastos voltaram a subir. “Estamos numa política econômica expansiva, gastadora.”
O resultado aparece nos juros. “Como a despesa não está sendo cortada, a dívida está aumentando e a taxa de juros está aumentando.”
Ano eleitoral empurra ajuste para 2027
Daniella avaliou que 2026 não deve trazer iniciativas relevantes de ajuste fiscal.
“Dificilmente alguém vai olhar para a população no ano da eleição e falar: ‘A gente vai travar o salário mínimo, vai reduzir educação, vai cortar gasto.’”
Para ela, o ajuste ficou para o próximo governo. “A arrumada de casa vai ficar para 2027. Quem assumir vai ter um trabalho bem duro, porque o orçamento da União está totalmente colapsado.”
Cenário impõe mais cautela ao agro
Segundo a executiva, o ciclo de juros altos pesa especialmente sobre quem produz. “O tamanho da despesa que tem que pagar para os bancos é muito grande”, afirmou.

E reforçou seu alerta central: “Crédito para pagar despesa é bom para banco. Jamais será bom para o produtor ou para a família.”
Ela explicou que crédito só faz sentido quando financia expansão com retorno. “Se o crédito é para investimento e depois retorna pagando toda a despesa de juros, vale. Se for para pagar conta, não.”
Setor enfrenta riscos climáticos e externos
Daniella ressaltou que o agro opera sob fatores que o produtor não controla.
“Tem preço de safra, tem praga, tem doença, tem clima. É rezar para São Pedro.”
Ela citou a catástrofe climática no Rio Grande do Sul para ilustrar o impacto das externalidades: “Fechou aeroporto, fechou tudo. Ainda tem agenda de reconstrução.”
Brasil mantém vantagem estrutural no mercado global
Apesar do cenário macroeconômico adverso, Daniella reforçou o papel do país no abastecimento mundial.
“O Brasil é a matriz de segurança alimentar e energética do mundo.”
Ela lembrou que há interesse internacional crescente nisso. “Tem investidores árabes, chineses, ávidos por comprar segurança alimentar.”
Gestão e organização reduzem risco e custo do capital
Para enfrentar o ciclo atual, Daniella defendeu maior profissionalização das propriedades.
“Trazer contador, formalizar, organizar... isso ajuda a construir sustentabilidade e reduzir custo do capital.”
Ela também reforçou a importância de não confundir ambição com impulsividade:
“Sonhar grande e sonhar pequeno ocupa o mesmo espaço. Mas, na hora de pegar o dinheiro, pense dez vezes.”
Apesar das preocupações com juros e dívida, Daniella demonstrou confiança no país. “O Brasil é rico demais para dar errado. A gente ainda está no inverno, mas todo inverno passa.”








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