O que são as salvaguardas do acordo Mercosul–UE e por que elas preocupam o agro brasileiro

Mecanismos de proteção aprovados pela União Europeia podem limitar o acesso de produtos do Mercosul ao mercado europeu, mesmo com o acordo de livre comércio

O que são as salvaguardas do acordo Mercosul–UE e por que elas preocupam o agro brasileiro
Ilustrativa

A União Europeia (UE) aprovou um conjunto de medidas chamadas de salvaguardas agrícolas no contexto do Acordo de Livre Comércio com o Mercosul, uma negociação que está prestes a ser concluída após mais de 25 anos de tratativas.

Embora o pacto prometa maior acesso de produtos sul-americanos ao mercado europeu — e vice-versa —, as salvaguardas trazem barreiras comerciais que podem limitar esse acesso e criar dificuldades adicionais para exportadores brasileiros.

O que são as salvaguardas?

Salvaguardas são instrumentos que permitem a um país ou bloco restringir temporariamente importações caso estas causem “prejuízo sério” à produção doméstica, mesmo quando existem compromissos de redução tarifária.

No caso do acordo Mercosul–UE, o Parlamento Europeu aprovou regras que:

Estabelecem que a UE pode suspender, temporariamente, as tarifas especiais para produtos agrícolas sensíveis — como carne bovina, aves ou açúcar — se forem detectados efeitos nocivos à produção europeia;

Reduzem o aumento das importações que aciona um mecanismo de proteção, de um limite anual de 10% para 5% ao longo de três anos, ou seja, um gatilho muito mais rígido, que praticamente boicota os produtos do Mercosul em solo europeu;

Encurtam os prazos de investigação para decidir sobre medidas: para itens sensíveis, de quatro meses para dois meses;

Introduzem uma cláusula de reciprocidade que permite suspender benefícios caso haja evidências de que os produtos importados não cumprem normas ambientais, de segurança alimentar, bem-estar animal ou direitos trabalhistas da UE.

Essas regras ampliam o poder restritivo da União Europeia sobre importações agrícolas, mesmo quando o tratado tem por objetivo a redução de tarifas, criando mecanismos automáticos que podem frear a entrada de produtos do Mercosul no mercado europeu.

Por que a UE quer essas salvaguardas?

Os mecanismos foram impulsionados por pressões de países com forte lobby agrícola, principalmente a França.

Produtores agrícolas europeus temem perder espaço de mercado para produtos sul-americanos mais competitivos em preço e que concorrem diretamente com a produção local.

Não são raras as vezes em que protestos de agricultores tomaram as ruas da França e da Itália, por exemplo, com pedidos para adiar ou reforçar cláusulas antes da aprovação final do pacto, sob o argumento de proteger fazendas familiares e pecuaristas locais.

De modo geral, para muitos parlamentares europeus, essas salvaguardas funcionam como “freios” para evitar que um aumento súbito de importações de produtos sensíveis desestabilize o mercado interno europeu.

Especialistas em comércio internacional, no entanto, destacam o que chamam de “miopia” da União Europeia diante do acordo, já que é premente para o bloco abrir e diversificar mercados, sobretudo frente às novas políticas do governo do presidente norte-americano, Donald Trump — sejam elas tarifárias ou contrárias ao multilateralismo.

Além disso, há também a pressão cada vez maior do mercado chinês, com impactos potenciais ainda mais severos.

Itália deve decidir

O fiel da balança para a assinatura do acordo, prevista para este sábado (20), está nas mãos da premiê italiana, Giorgia Meloni, que chegou ao poder também com uma pauta protecionista. A Itália é vista por analistas como o ponto de desequilíbrio — ainda que, até o momento, não se saiba para qual lado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista recente, que conta com Meloni e também com a ajuda do “amigo” Emmanuel Macron, presidente da França, para a assinatura do acordo, em Foz do Iguaçu.

Como as salvaguardas prejudicam o agro brasileiro?

Embora o acordo Mercosul–UE abra, em tese, espaço para a redução de tarifas e maior participação do agronegócio brasileiro no mercado europeu, as salvaguardas podem:

Tornar o acesso incerto, já que mecanismos automáticos podem ser acionados mesmo com variações modestas de importações. Aumentos médios de 5% em produtos sensíveis ao longo de três anos, por exemplo, já podem desencadear investigações e restrições.

Elevar custos e barreiras não tarifárias, uma vez que a cláusula de reciprocidade prevista nas salvaguardas permite à UE suspender benefícios caso produtos do Mercosul não atendam aos padrões europeus de meio ambiente, segurança alimentar, bem-estar animal ou legislação trabalhista. Isso pode significar aumento dos custos de conformidade para produtores brasileiros.

Gerar insegurança jurídica para investimentos, especialmente para exportadores que planejam ampliar sua presença no mercado europeu, sujeitos à volatilidade comercial caso mecanismos de salvaguarda sejam acionados repetidamente, o que pode afetar decisões de investimento em logística, produção e integração a cadeias produtivas internacionais.

Os mecanismos aprovados representam um equilíbrio da política interna do bloco europeu entre a abertura comercial e as demandas de proteção aos produtores locais.

Para o agronegócio brasileiro, no entanto, o desafio será demonstrar que seus produtos não apenas são competitivos em preço, mas também atendem a padrões ambientais e sanitários, sem que esses critérios se transformem em barreiras disfarçadas à entrada no mercado europeu.