Depois de um ano cheio de entraves, produtor aposta em expansão e inicia uma nova fase na criação de tilápia

Produtor paulista reage à pressão do governo e à ofensiva do Vietnã enquanto triplica a capacidade da unidade de juvenis

Depois de um ano cheio de entraves, produtor aposta em expansão e inicia uma nova fase na criação de tilápia
Ilustrativa

"Se o governo não atrapalhar, já está muito bom. Nossa vocação é produzir", diz Emerson Esteves.

 

O ano foi turbulento para a tilapicultura. Tarifas dos Estados Unidos, discussões sobre a classificação da tilápia como espécie invasora e a liberação de importação de filé do Vietnã criaram um ambiente de incertezas para o setor.

Nesse cenário, o produtor Emerson Esteves decidiu seguir em outra direção:  ampliar a operação, acelerar investimentos e preparar um avanço que deve levar sua produção dos atuais 30 milhões para 80 milhões de alevinos até o fim de 2027.

Emerson tem 43 anos e acumula 25 anos de experiência com peixe. Ele começou ainda no colégio agrícola, trabalhando com espécies nativas em Monte Aprazível (SP), quando a tilápia começava a ganhar espaço no início dos anos 2000.

Em 2001 entrou na atividade de forma definitiva, acompanhando a instalação de projetos pioneiros na região de Buritama e percebendo, já naquele período, a falta de oferta de alevinos.

“Sempre faltou produto. A gente sempre correu para atender as demandas de mercado. E a tilapicultura hoje é o carro chefe da atividade. Então, é um segmento que cresce muito”, afirma.

Hoje ele comanda a Global Peixe Aquacultura, com unidades em Rubinéia, Santa Fé do Sul e Zacarias, todas cidades em São Paulo.

O foco é transformar alevinos em juvenis, etapa intermediária da cadeia produtiva e considerada estratégica para abastecer empresas de engorda. Emerson foi apontado por interlocutores no evento como um dos maiores produtores de juvenil da região. 

“Nosso foco hoje é transformar alevino em juvenil. Estamos em duas unidades de produção de alevino e uma de juvenil, que estamos ampliando para triplicar a capacidade até 2026/27”, explica. A ampliação começará a operar em meados de 2026.

A operação também mantém uma unidade no Mato Grosso do Sul. Emerson diz que a região onde atua concentra grande parte da produção nacional:

“Você pega num raio de 1.000 km aqui de Santa Fé do Sul... até 70% de toda tilápia que produz no Brasil está nesse raio.” Ele destaca também a expansão do setor para diferentes estados, com forte presença em Paraná, Minas, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Pressão do mercado e retomada das exportações

As turbulências do ano atingiram diretamente o ambiente de negócios, especialmente após o tarifaço imposto pelos Estados Unidos no auge da exportação brasileira. Emerson lembra que a reação inicial foi de incerteza, mas avalia que o mercado conseguiu se ajustar rapidamente.

“O tarifaço impactou no primeiro mês, mas eu sempre falava: calma que isso vai se resolver. A partir de setembro, outubro, a coisa voltou à normalidade. Hoje praticamente exportamos dois volumes do que exportava.”

Ele afirma que, mesmo com a pressão internacional, o Brasil segue como principal fornecedor de filé fresco para os Estados Unidos, por falta de concorrência em países vizinhos.

“O americano vai continuar com o MNP”, disse, citando o indicador usado no setor para apontar que os EUA seguem dispostos a pagar mais pelo filé fresco.

"Não tem oferta de filé fresco na América Latina e América Central. O único país que tem condições de atender o mercado americano é o Brasil.” Emerson lembra que o mercado interno também sentiu a turbulência: “O mercado brasileiro também retraiu um pouco o preço. O mercado americano pagou um pouco mais e acabou se ajustando", explicou.

Críticas ao governo e preocupação com licenciamento

Emerson também critica a tentativa do governo de reclassificar a tilápia como espécie invasora, medida que, segundo ele, cria insegurança e afeta processos de licenciamento ambiental. Em outubro, a espécie foi incluída na Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras da Conabio.

“É uma ideia louca achar a tilápia invasora. Está no Brasil desde 1950, trazida pelo próprio governo. Eu vejo isso mais como dificuldade na área de licenciamento ambiental. Esse governo cria muita dificuldade para querer vender a facilidade.”

Para ele, o risco está na criação de novas taxas e na ampliação da burocracia, o que pode afetar pequenos e médios produtores. Ainda assim, acredita que a produção em si não deve ser prejudicada.

“Podem dificultar o licenciamento, podem querer criar alguma taxa com intuito de reparação ambiental, mas não vai atrapalhar na produção.”

A disputa com o Vietnã

A liberação da importação de filé vietnamita também preocupa. Emerson considera a medida “um balde de água gelada”, citando diferenças tributárias, trabalhistas e de subsídios que tornam o Vietnã mais competitivo. Há duas semanas, o governo brasileiro autorizou a importação direta do Vietnã, em operação ligada à JBS.

“O governo brasileiro joga um pouco contra o setor produtivo. O Brasil fez um acordo para vender carne para o Vietnã e barganhou o filé lá para o Brasil.”

Ele afirma que o setor briga no Ministério da Pesca e tenta reverter a liberação, mas reconhece que acordos bilaterais são complexos. A aposta dele para enfrentar a concorrência é reforçar a qualidade do peixe brasileiro. Emerson já visitou o Vietnã e afirma que não há comparação.

“Não se compara em nada com o que nós temos no Brasil em termos de qualidade de água, nutrição, genética, uso e discriminação de antibiótico.”

Tecnologia, genética e parceria de longa data

A empresa trabalha com nutrição avançada e mantém uma parceria de mais de 20 anos com a ADM. Ele utiliza praticamente toda a linha da empresa e vê a alimentação como uma das bases de desempenho. 

“A gente é o que come. O peixe não deixa de ser diferente. Você tem que ter hoje uma boa nutrição e a ADM sempre nos proporcionou isso. É uma empresa que traz muita tecnologia, traz muita segurança no produto.” O produtor já testou o Immunity e deve testar o Nutri Oxygen.

Crescimento familiar e visão de longo prazo

A operação é familiar. A esposa Kika, as filhas e um sócio participam das unidades. O objetivo é continuar expandindo para atender uma demanda que, segundo ele, cresce ano após ano. Emerson afirma que a vocação dele é produzir e que o setor, mesmo com os entraves recentes, mantém ritmo forte.

“Nós somos uma empresa familiar e começamos pequeno em 2001. Nosso crescimento é muito grande nos últimos anos porque o mercado vem crescendo.”

Para ele, o cenário dos próximos anos segue promissor.

 “Tem um monte de problema, mas esses problemas vão passar. O governo não passa. Vai ter quatro anos de um, quatro de outro. A política muda, o setor vai se organizando. Boleto não tem carimbo, não tem partido, a gente tem que continuar pagando. Então a gente deixa um pouco as questões políticas do lado e vamos trabalhar. Espero que ninguém atrapalhe. Se o governo não atrapalhar, já está muito bom. Nossa vocação é produzir.”

*O jornalista viajou a convite da ADM