Bate-boca e confusão: votação da Moratória da Soja termina em tumulto
Troca de relatoria, petição da Abiove e encerramento tumultuado acentuam clima de indefinição sobre o caso
A sessão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), terminou em discussão, tumulto e clima tenso.
Resultado: indefinição na escolha da relatoria do processo que analisa a Moratória da Soja — tema sensível que trata do acordo multissetorial de autorregulação que proíbe a compra e o financiamento de soja oriunda de áreas desmatadas na Amazônia após 2008.
O episódio marcou novo capítulo na insegurança jurídica e de mercado em torno do pacto, que está há meses no centro de uma discussão entre produtores, tradings, indústrias e entidades do setor.
O que aconteceu?
O impasse começou quando o conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior, apontado inicialmente como relator do caso, apresentou petição da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) contestando a legitimidade de uma alteração feita pelo presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, que teria retirado a função de Levi e mantido a relatoria com o conselheiro Carlos Jacques, relator original da ação.
Segundo apuração do Estadão, a contestação se baseia em uma ata retificadora publicada por Gustavo Augusto — documento usado para corrigir supostos erros ou omissões — que modificou unilateralmente a relatoria. A Abiove alega que o presidente violou o regimento interno, segundo o qual a relatoria deve ser atribuída ao conselheiro que formou a maioria, no caso, Levi.
Na petição, a associação afirma que o despacho é “nulo e írrito em razão de incompetência absoluta”, uma vez que o presidente não poderia se sobrepor à decisão soberana da maioria do Tribunal Administrativo.
Diante da inclusão do pedido, o presidente Gustavo Augusto se recusou a deliberar sobre o ponto e encerrou a sessão — medida que incendiou o plenário e provocou troca de farpas entre conselheiros.
De acordo com o Estadão, o conselheiro José Levi reagiu de forma ríspida, dizendo várias vezes que “a sessão não estava encerrada” e chegou a ironizar:
“Vai pegar a bola e sair que nem criança? Presidente ficou vencido mais uma vez.”
A transmissão da reunião, que ocorria ao vivo pelo canal do Cade no YouTube, foi interrompida durante o embate.
Suspensão e bastidores
Após a confusão, o conselheiro Carlos Jacques defendeu que deveria manter a relatoria e pediu a opinião de Victor Fernandes, o integrante mais antigo do colegiado. Fernandes manifestou-se a favor de Levi e solicitou a suspensão temporária da sessão.

O Cade foi então para uma reunião a portas fechadas. Na retomada, o presidente alegou “conflito de competência administrativa” e pediu vista dos autos — um prazo que pode chegar a 60 dias, durante o qual o item só poderá voltar à pauta por decisão do próprio presidente.
A medida prolonga a indefinição sobre quem de fato conduzirá a relatoria do processo e quando haverá deliberação final.
A relatoria tem papel crucial nos processos administrativos do Cade, pois organiza a análise técnica e orienta a decisão colegiada.
Divisão no Cade
No julgamento de 30 de setembro, o Cade havia decidido aplicar uma medida preventiva que suspende a vigência plena da Moratória da Soja apenas a partir de 1º de janeiro de 2026 — decisão que, na prática, dava prazo adicional para negociação entre as partes e evitava efeitos imediatos no mercado.
Naquele momento, houve divisão entre os conselheiros: o então relator, Carlos Jacques, e o presidente da autoridade antitruste votaram pela manutenção da preventiva; o conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior abriu divergência e acabou obtendo maioria com outros integrantes.
É essa sequência que alimenta a disputa atual sobre quem deve assumir ou manter a relatoria.
Reações
A Abiove, que representa indústrias processadoras de óleos e farelos, sustentou que houve alteração unilateral na ata e na condução do processo, motivo pelo qual apresentou embargos e questionou a legitimidade da mudança.
Do lado dos sojicultores, há pressão por suspensão ou revisão do pacto, alegando que a moratória teria efeitos que, segundo parte do setor, conflitam com o Código Florestal e poderiam afetar a livre concorrência.
A disputa vem sendo acompanhada com apreensão por produtores, tradings, bancos e compradores internacionais.
Especialistas ouvidos por veículos do setor apontam que a indefinição no Cade prolonga um cenário de insegurança: contratos, compras futuras e programas de compliance das empresas ficam em compasso de espera até que haja sinalização final sobre a relatoria, prazo processual e medidas efetivas.







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