Como o PCC se infiltrou no agro para erguer um império criminoso

Usinas, fazendas e fintechs foram usadas como fachada em um esquema que movimentou mais de R$ 50 bilhões, segundo investigações

Como o PCC se infiltrou no agro para erguer um império criminoso
Ilustrativa

A megaoperação Carbono Oculto, deflagrada em conjunto com as operações Quasar e Tank, revelou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) expandiu sua atuação para além do tráfico de drogas, infiltrando-se no setor sucroenergético e no mercado de combustíveis.

O agronegócio foi usado como instrumento para lavagem de dinheiro e ampliação do poder econômico.

Segundo as investigações, a facção movimentou mais de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024, com um rombo estimado em R$ 8 bilhões em tributos sonegados.

A estrutura incluía uma fintech que atuava como “banco paralelo”, sozinha responsável por movimentar R$ 46 bilhões, além do controle de cerca de 40 fundos de investimento com patrimônio de R$ 30 bilhões. 

O grupo também teria adquirido um terminal portuário, usinas de etanol, 1,6 mil caminhões-tanque e mais de 100 imóveis, incluindo seis fazendas em São Paulo avaliadas em R$ 31 milhões e uma casa de luxo em Trancoso (BA), estimada em R$ 13 milhões.

Do canavial ao posto

As apurações indicam que o PCC passou a controlar usinas ligadas ao antigo grupo Aster/Copape, em São Paulo, por meio de empresários apontados como associados da facção, entre eles Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Loco”, e Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”. Ambos tiveram prisão decretada pela Justiça Federal, mas permanecem foragidos.

Empresários e produtores denunciaram ter sido coagidos a vender propriedades por valores abaixo do mercado, sob ameaça de violência.

Em alguns casos, sócios de usinas se tornaram “reféns” da facção, sem poder de decisão sobre seus próprios negócios.

O Ministério Público também investiga a ligação do PCC com incêndios criminosos em canaviais usados como forma de pressão. Os prejuízos alcançaram grandes companhias: a São Martinho calculou impacto de R$ 250 milhões em Ebitda em 2024, enquanto a Raízen informou que as queimadas destruíram 6 milhões de toneladas de cana, de acordo com o Globo Rural. 

Em nota, Bioenergia Brasil, o Instituto Combustível Legal, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) manifestaram apoio irrestrito às operações.

O agro como fachada  

Com parte da produção sob seu domínio, a facção passou a se apresentar como player legítimo do mercado, operando usinas, distribuidoras e transportadoras. A estrutura também serviu para escoar metanol importado irregularmente pelo Porto de Paranaguá (PR), usado na adulteração de combustíveis.

Mais de mil postos de abastecimento estariam envolvidos no esquema. Consumidores foram lesados com bombas viciadas e combustíveis fora dos padrões exigidos, o que ampliava os ganhos e consolidava uma rede paralela de abastecimento sob comando criminoso.

A engrenagem financeira 

O agronegócio serviu de lastro para a lavagem de dinheiro. Usinas e propriedades rurais eram usadas como ativos de fachada para movimentar recursos ilícitos em fundos, corretoras e fintechs. 

A fintech BK Bank, com sede em Barueri (SP), foi descrita pela Receita Federal como peça central da engrenagem, movimentando sozinha mais de R$ 40 bilhões em operações não rastreáveis. A gestora Reag Investimentos e outras instituições financeiras também foram alvo de mandados de busca e apreensão. 

A operação revelou ainda que o núcleo financeiro da facção estava em Ribeirão Preto (SP), um dos principais polos do setor sucroenergético, onde recursos ilícitos eram canalizados para a compra de usinas, distribuidoras e fazendas.

 O alerta ao setor 

As autoridades calculam que as fraudes possam ter movimentado até R$ 30 bilhões. Para investigadores, o caso mostra como cadeias produtivas de grande capital e baixa fiscalização podem ser exploradas pelo crime organizado.

Ao se misturar à economia formal, o PCC não apenas lavou bilhões, mas também distorceu a concorrência, fragilizou empresas idôneas e ampliou seu alcance político e financeiro. 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a prioridade agora é sufocar financeiramente o crime, equiparando fintechs às mesmas exigências de compliance impostas a bancos tradicionais. A Receita Federal já lançou R$ 8 bilhões em autos de infração e promete novas medidas para fechar brechas no sistema.