Setor reage a campanha que difama o leite

Um símbolo que marcou época volta à cena, agora em versão crítica ao leite de vaca. A peça publicitária gerou questionamentos, o setor reagiu, especialistas se posicionaram, e o tema reacende uma velha disputa entre narrativas e fatos.

Setor reage a campanha que difama o leite
Ilustrativa

Uma campanha vem ganhando força nas redes sociais ao resgatar a nostalgia dos icônicos “bichinhos da Parmalat”, sucesso absoluto nos anos 90. A ação, criada por uma foodtech chilena, aposta no humor e em elementos afetivos para promover sua linha de bebidas vegetais, mas tropeça feio ao espalhar desinformação sobre o leite.

Na nova campanha, adultos aparecem fantasiados de animais, numa referência direta à famosa peça da Parmalat, mas agora tristes e apresentando desconforto após consumir leite de vaca. O problema é que a mensagem induz o público a associar o consumo de lácteos a inchaço e inflamação, sintomas que não afetam a maioria das pessoas saudáveis.

Para Bruno Girão, CEO da Alvoar Lácteos, a estratégia mostra como o leite incomoda justamente por ser difícil de substituir. Em seu LinkedIn, ele comentou:  “O leite é um alimento que incomoda porque é bom demais para ser copiado. Muito se fala sobre ele: às vezes com ironia, às vezes com desinformação. Porém, por trás das caricaturas, permanece um fato inegável: o leite continua sendo um dos alimentos mais completos, naturais e acessíveis da nossa alimentação.”

Do ponto de vista científico, para indivíduos saudáveis, não há evidências robustas de que o consumo de laticínios cause inflamação. Situações como inchaço e desconforto podem ocorrer apenas em casos específicos, como em pessoas diagnosticadas com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) ou intolerância à lactose.

A APLV é uma reação imunológica às proteínas do leite, podendo causar desde erupções cutâneas até anafilaxia. Já a intolerância à lactose ocorre quando o corpo não produz lactase suficiente para digerir a lactose, resultando em sintomas gastrointestinais. Neste caso, é possível consumir produtos sem lactose ou fazer uso da enzima.

As afirmações da campanha contrariam diretrizes de órgãos como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, que incluem os laticínios como parte de uma dieta equilibrada.

A polêmica fez a Lactalis, licenciada da marca Parmalat no Brasil, acionar o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), alegando violação de direitos autorais, depreciação do leite UHT e divulgação de informações enganosas. Segundo a Exame e Valor Econômico, o Conar considerou que estavam presentes as condições para uma medida de urgência, prevista em seu Regulamento Interno, e emitiu uma liminar para a retirada da campanha do ar.

Até o fechamento desta matéria, o vídeo seguia disponível no YouTube, com mais de 150 mil visualizações, mas os comentários foram desativados na plataforma. Nas redes sociais da marca, enquanto alguns elogiaram o tom irreverente, muitos usuários criticaram a falta de responsabilidade da empresa.

Dentro do setor, o desconforto foi compartilhado por outros profissionais em seus perfis no LinkedIn. Sérgio Pflanzer, Professor Pós-Doutor na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, lamentou: “Muito triste ver uma empresa ‘agredir’ um alimento (e o setor) por inteiro.” Para ele, atacar não é necessário quando se tem um produto de qualidade: “Se seu produto é mesmo tão bom, não precisa atacar o outro. Faça por merecer. Mas não parece ser o caso aqui. O produto é um ‘composto’ de 15 ingredientes, que tem 4 vezes menos proteína e pode custar até 3 vezes mais.”

Já Ânderson Simaroli, engenheiro químico e especialista em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, também  defendeu mais responsabilidade no debate em seu perfil: “Como profissional da indústria de alimentos, admiro o avanço das bebidas vegetais. São soluções tecnológicas interessantes, que evoluíram muito em sabor, textura e aplicação. Mas, com todo respeito, não considero correto tratar o leite como um alimento prejudicial, especialmente em uma campanha publicitária.” Ele ainda lembrou que essas bebidas também têm limitações“É um produto tecnicamente elaborado, mas que também pode causar reações em alérgicos e envolve ingredientes que já foram alvo de controvérsias.”

Marcelo de Pereira Carvalho, CEO da MilkPoint Ventures, analisou o contexto de mercado em que a polêmica acontece: “Essa campanha vem em um momento em que o leite de vaca subiu o consumo nos EUA, depois de várias décadas de queda, ao passo que o plant-based caiu. É um duelo de narrativas, mas o leite vem mostrando que tem como vencer, tanto pela composição nutricional, como pelas respostas a respeito de sustentabilidade e bem-estar, que estão sendo dadas cada vez mais, como pelo apelo ao natural.” Para ele, a peça ainda peca pelo tom: “Me soa um tanto apelativa e até pouco criativa, já que foi buscar a referência de uma campanha do passado.”

O episódio reacende o debate sobre a responsabilidade da publicidade e a importância de informação de qualidade para que o consumidor faça suas escolhas de forma consciente. Ao mesmo tempo, evidencia a necessidade de as próprias empresas de lácteos investirem mais em comunicação clara, didática e embasada, mostrando os benefícios nutricionais do leite e seus derivados, para combater mitos e reforçar a confiança do público.

Promover a diversidade de opções é legítimo, e isso é uma conquista para o consumidor, que pode escolher o que faz mais sentido para sua saúde, gosto e estilo de vida. Porém, o respeito à verdade e ao trabalho de milhares de produtores, cooperativas e profissionais que vivem do leite também deve fazer parte desse diálogo. Informação de qualidade e concorrência justa beneficiam todos, inclusive quem prefere alternativas ao leite.

FONTE: MilkPoint. 
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